Público da Fórmula 1 chegando na Estação Autódromo - Arquivo pessoal
Souvenir da equipe Williams Racing - Reprodução/Redes Sociais
Público da Fórmula 1 chegando na Estação Autódromo - Arquivo pessoal
Souvenir da equipe Williams Racing - Reprodução/Redes Sociais
A experiência de assistir a uma corrida em um templo do automobilismo é única e guarda muitas surpresas para quem segue com afinco o passo a passo das equipes rumo ao lugar mais alto do pódio. Ao mesmo tempo, ser um fã de Fórmula 1 é estar disposto a pagar preços altos para acompanhar os pilotos dentro e fora das corridas. Com uma demanda alta por produtos, serviços e lugares para assistir ao GP de São Paulo, eleito pelo público o mais desafiador do calendário, o torcedor brasileiro pode desembolsar de 400 a 30 mil reais se quiser um ingresso para entrar em Interlagos. A disputa é salgada, longe da realidade de muitos, mas não espanta os compradores. Para a edição de 2022, os ingressos foram colocados à venda ainda em 2021, no calor dos eventos duas semanas depois da realização da corrida. O resultado foi entradas esgotadas para todos os setores em apenas dois dias, um recorde comemorado pela equipe organizadora. Para a edição de 2023, a antecipação das vendas chegou ainda mais cedo. Nos três dias seguintes ao evento, todas as entradas disponibilizadas foram vendidas. De onde vem tanto interesse?
O sucesso é tanto que novos espaços precisaram ser inaugurados para suprir a demanda de público, como arquibancada exclusiva dos patrocinadores, no final da reta oposta e outra, da equipe Williams Racing, ao lado da curva do S, com visão para a saída dos boxes e início da reta oposta. E ainda uma inédita "vila" criada para ser um point com vista para os trechos do Bico de Pato, Mergulho, Junção e Subida do Café, no meio do gramado. Com mais de 3 mil metros quadrados de área e com vista para 70% de todo o autódromo, os torcedores pagaram a bagatela de cerca de dois mil reais para ficarem a 30 metros da pista, com direito a música ao vivo, ambientes de descanso e até uma tirolesa. Para atrair o público jovem da Fórmula 1 vale de tudo. O marketing investido e a força das redes sociais é a peça-chave de um negócio que completou 72 anos, mas que se renova na rapidez de uma troca de pneus. A proposta para os próximos anos é superar o número de pagantes dentro do autódromo. Uma tarefa que não parece ser difícil.
A organização do GP de São Paulo prevê um impacto econômico de mais de 1.2 bilhão de reais em 2022, com a geração de dez mil empregos diretos e indiretos. Apesar de ser apenas o décimo terceiro em tamanho nos vinte e dois GPs disputados até então – em 2023 serão vinte e quatro dentro do calendário – o aumento de público no Brasil vem em uma crescente, e somou 236 mil pessoas no fim de semana este ano, crescendo mais de 30% em relação a 2021. Segundo Alan Adler, CEO do GP de São Paulo, há estudos para aumentar em menos 40% o tamanho da etapa brasileira até 2025, em um esforço conjunto entre a Prefeitura de São Paulo, com a modernização das instalações e a criação de novos ambientes para promover uma espécie de roteiro automobilístico ao público e turistas da Fórmula 1, além da ampliação de espaços para novos torcedores em Interlagos.
Com uma abertura maior para novos públicos, instigados principalmente pela série da Netflix e pelo investimento em redes sociais, a média de idade do público que frequenta a Fórmula 1 em São Paulo reduziu sete anos entre 2019 e 2021. Vale lembrar que por conta da Covid-19, o evento não foi realizado em 2020. Ou seja, de um GP para o outro, houve um rejuvenescimento de quase uma década entre o público que lotou as arquibancadas. O diretor-executivo do Grande Prêmio de São Paulo, Francisco Mattos, falou sobre a nova cara da Fórmula 1 no Brasil. "Esse novo público é um pouco diferente daquele fã raiz da Fórmula 1. Quem tem mais de 35 anos viveu aquela época de Ayrton Senna, tem aquela nostalgia, o saudosismo. Já esse público jovem tem uma forma um pouco diferente de consumo, porque ele é um público que não começou assistindo aos GPs. Ele começou sendo impactado por toda a comunicação, começou assistindo o Drive to Survive. E como a gente prende a atenção desse público? Focando na experiência, na jornada. Esse público mais jovem vem atrás de entretenimento", disse.
Shows de música, como a performance do DJ Kygo logo após a cerimônia do pódio, que consagrou o britânico George Russell, ou experiências novas como a vila da marca de cerveja, aproximam os novos fãs de uma realidade que a organização já observa. Foi-se a era de apenas marcas automotivas e de luxo olharem para as pistas. Em média, o público que lota Interlagos nos 3 dias de Fórmula 1 costuma ficar até oito horas dentro das instalações do autódromo. Para que não seja uma experiência tediosa e maçante aos mais de 200 mil torcedores, novas ideias foram pensadas para o público que acompanhou a etapa desse ano e serão reforçadas para o próximo GP em 2023.
"A comunicação, por óbvio, precisa ter uma linguagem mais jovem, ela precisa ser mais social e digital do que costumava ser, apenas nas mídias tradicionais. Hoje temos mestres de cerimônias para o público de Interlagos, temos repórter nas arquibancadas, temos música com DJ ao vivo durante os intervalos. A Fórmula 1 é mais que um evento e a gente quer que isso seja mais que um final de semana. Criamos outras frentes e iniciativas para aproximar ainda mais os fãs. O GPSP Academy [workshop live case que explica o funcionamento dos bastidores de um GP] é um deles, de trazer o público para mais perto, para entender como funciona esse universo. A Fórmula 1 está completando 50 anos no Brasil e para celebrar isso nós fizemos uma exposição sobre os 50 anos, que começou em meados de outubro e vai até o fim de novembro. E dentro da exposição estamos fazendo o Garage Fest, que é a transmissão das corridas, uma espécie de ensaio para fazermos uma Fan Fest em algum outro lugar de São Paulo. E ainda na conversa com esse público, lançamos uma coleção de NFTs. Foram 5050 unidades, que são muito mais que um item colecionável, são uma forma de dialogar e manter uma relação com esse público mais jovem", explicou.
Público de Interlagos aguarda o início do Grande Prêmio de São Paulo 2022 (Arquivo Pessoal)
Pit lane e a vista da laje VIP na Fórmula 1 - Arquivo Pessoal
Arquibancada A de Interlagos - Reprodução/Redes Sociais
Longe das arquibancadas populares, do sol escaldante que castiga o dia todo e das tempestades, que a qualquer momento surpreende o torcedor que chega cedo para pegar um bom lugar nas áreas descobertas do circuito, está a chamada laje VIP de Interlagos, mais conhecida como Paddock Club. Não há como negar, a dominação – por enquanto – ainda é do poder aquisitivo. Ela fica localizada em cima do pit lane das equipes, com visão ampla da largada e chegada e dos engenheiros que trabalham em segundos a cada pit stop. Um passe para esse seleto grupo pode ser adquirido pelo site oficial da Fórmula 1 por modestos 6 mil dólares, ou quase 30 mil reais por pessoa, em cotação recente. Segundo o programa, e hospitalidade é um dos principais chamativos para quem quer ser "vipão" perto de onde tudo acontece. "Nós levamos a mesma equipe confiável de chefes e equipe de hospitalidade de classe mundial para todos os locais do Paddock Club. Assim, você pode ter certeza da melhor comida, vinho e serviço, onde quer que esteja. A equipe compra produtos frescos dos mercados locais o mais rápido possível à medida que chegam ao local do Grande Prêmio e preparam menus gourmet adaptados ao local", informa. Além das taças de vinhos à vontade e de um menu servido por grandes chefes mundiais, equipes e marcas montam espaços de convivência ao longo de todo o local, como forma de aproximar possíveis investidores e patrocinadores. Além de conquistar o fã que se esforça nas fileiras de Interlagos, esses mesmos diretores e chefes de escuderias precisam usar o poder de persuasão para atrair mais dinheiro para seu guarda-chuva e nada melhor do que ir à fonte dessa fortuna. As mordomias para quem observa a Fórmula 1 do alto incluem mimos, visitas aos boxes da parte de baixo, conversas diretas com os pilotos do grid e um tour, em carro aberto, por todo o circuito meia horas antes da corrida ter início. Durante o trajeto, a experiência tem pouca receptividade dos presentes no autódromo. Os acenos dos endinheirados, que tentam a todo custo uma interação, são ignorados pelo público das arquibancadas. Nessa corrida milionária, o bonde tomba na curva.
Se parte de uma experiência é viver tudo intensamente, torcedores dos setores A ou G de Interlagos, os mais populares deles, podem se dizer sobreviventes após os três dias experimentando cada uma das mudanças de tempo que de tão tradicionais, já fazem parte do cronograma informal das corridas. Para ter um bom lugar, com uma vista privilegiada e pagando cerca de 400 reais, a regra é uma só: chegar bem cedo. Com a abertura dos portões às 8h, torcedores já se aglomeram nas escadarias que serve de local para acompanhar a corrida, que só tem início às 15h. Até lá, haja paciência. Se tiver calor, protetor solar, óculos e boné são itens obrigatórios para não passar perrengue. Nos dias de chuva, a capa é a melhor amiga da galera. E qualquer lugar que ofereça o mínimo de abrigo é disputado na pernada por cada um que madruga na fila. Geralmente, esse público é o mais apaixonado e revela isso em momentos de descontração. É de lá que vem as melhores imagens que a transmissão oficial da TV mostra, com o torcedor animado e na expectativa pelos roncos dos motores rasgarem a pista. Basicamente, o entretenimento do show televisivo da Fórmula 1 é às custas de um esforço desgastante de quem ama corrida. Pagar 15 reais por um copo de cerveja ou 24 reais por um cone de batata frita parece não ser um problema para quem precisa passar horas esperando para ver os ídolos de perto. Se desse lado não há luxo, sobram boas risadas entre novos velhos conhecidos, dancinhas das mais estranhas para as câmeras, poses diferentes para as inúmeras selfies, fotos em grupo e cartazes. Muitos cartazes. De pedidos de casamento para Lewis Hamilton, agora cidadão honorário do Brasil, a agradecimentos a Sebastian Vettel, escritos na língua que o alemão entenda. Nos setores raiz de Interlagos, o bonde é que manda.
Público na chegada a Interlagos em 2022 - Arquivo pessoal
Sacada para o Autódromo de Interlagos - Arquivo pessoal
Em dias de GP, a Avenida Feliciano Correia vira um formigueiro a céu aberto. Ela dá acesso tanto a arquibancadas populares quanto a setores mais salgados. É a principal via de quem utiliza o transporte público para chegar a Interlagos. Saindo da Estação Autódromo, a caminhada é de pelo menos um quilômetro e meio até os portões principais. Nesse trajeto, vendedores por todos os lados disputam cada passo dos torcedores. São réplicas de bonés e camisetas da Red Bull Racing, Scuderia Ferrari, Mercedes-AMG Petronas e McLaren Racing, bebidas de todo o tipo, comidas rápidas feitas na hora e a compra e venda informal de ingressos, praxe nas portas de grandes eventos. O pernambucano Genivaldo de Souza passou os três dias vendendo bonés no primeiro trecho da avenida e comemorou os dias de sol que ultrapassaram os 30º em São Paulo. "As pessoas não querem pagar caro nas coisas lá dentro e aproveitam tudo aqui fora. O que gastariam lá dentro, eles compram três vezes mais aqui comigo", contou.
O preço, de fato, é superior à matemática improvisada de Genivaldo. Enquanto na loja oficial, dentro do autódromo, um boné custava 400 reais e uma camiseta não saía por menos de 700 reais, um boné do lado de fora não passava dos 30. Com jeitinho, poderia até sair por menos. Perguntado sobre como foram as vendas ele revela que foi preciso conquistar as milhares de pessoas que caminharam pelo local, principalmente no dia da corrida. "A gente tira de lucro o que eu faria no mês todinho. Então é bom. Mas tem que ser esperto porque aqui tem muita gente querendo ganhar o seu também, então a concorrência é muito forte. Precisa ficar de olho e ser esperto para não perder cliente", disse. Apesar de lucrar informalmente com a Fórmula 1, Genivaldo nunca assistiu um GP dentro do autódromo. "Se eu entrar lá dentro, eu perco o meu aqui fora. Não tenho condições ainda desse luxo. Tenho um filho pequeno para sustentar e esse dinheiro é importante. Mas pelo que eu vi pela televisão, parece ser legal de acompanhar de pertinho. Só é tudo caro", finaliza.
Quase na metade do trajeto, é possível observar uma pequena aglomeração de pessoas em frente a uma garagem que virou point improvisado. Em meio às conversas, risadas e música alta – que tocava do sertanejo Gusttavo Lima ao pop de Dua Lipa – Luciano Benevides chamava o público para comprar cerveja e água a preço popular. O consultor de vendas usa a casa como comércio nos dias de evento. "Moro há 20 anos [no bairro] e o movimento vem crescendo por causa dos eventos ali [no autódromo]. Tem o Lollapalooza, tem a Fórmula 1, tem uns campeonatos de corrida que acontecem e sempre tem uma demanda boa para vender", comentou. Enquanto organizava as cadeiras para um grupo de amigos que acabava de atender aos chamados pela cerveja "trincada", ele contou que é o momento de colocar em prática sua experiência de vendas. "Aqui a gente vende água, vende cerveja, vende refrigerante, vende salgado, vende armário para deixar as coisas, vende o que for possível vender. E sempre tem quem compre. Sempre que tem coisas [no autódromo] essa rua fica lotada, é muita gente mesmo. É impossível você ter sossego dentro de casa. Se não for sair para um lugar bem longe desse barulho aqui, você precisa aproveitar isso. Eu penso que a oportunidade de fazer uma grana extra aqui é boa", afirmou. Morando a poucos passos do portão de Interlagos, o consultor contou também que não participa mais dos GPs em Interlagos, mas revela conhecer e acompanhar a categoria, mesmo que de longe. "Já fui um tempo atrás, hoje não vou. Mas acompanho sempre que posso pela televisão. Eu torcia pelo Massa, pelo Rubinho, esses caras. Hoje não tem brasileiro, vai torcer por quem? Por estrangeiro? Eu queria um brasileiro, mesmo que fosse ficar no último lugar. Tem esse aí novo que comentam, aqueles filhos do Fittipaldi [Enzo e Pietro Fittipaldi, que são netos de Emerson Fittipaldi] mas precisa ter patrocínio e precisa de pessoas investindo, não sei se vamos ter aqueles pilotos como antigamente", analisa.
Perto da muvuca, o cruzamento das ruas André Brancacci e Porto do Tejo é o lugar perfeito para quem não quer esperar em longas filas de entrada ou ficar horas embaixo de sol e chuva. Keroline Correia tem uma casa próxima do autódromo e aluga a sacada para uma vista parcial da pista entre a Curva do Café e Bico de Pato, uma das mais desafiadoras para os pilotos. "Aluguei aqui para alguns amigos conhecidos que vieram para a corrida ano passado e eles gostaram bastante. Em 2022, resolvi colocar anúncio para outras pessoas conhecerem. A minha ideia é fazer isso sempre", conta. Com arquibancadas maiores impossibilitando a vista total das sacadas próximas, uma espécie de tradição do bairro vem sendo esvaziada. As lajes de Interlagos fazem parte de um movimento indireto de inclusão social da Fórmula 1 à rotina de pessoas que não podem pagar os preços altos dos ingressos, mas que querem sentir a emoção dos roncos dos motores de perto - ou mesmo que de longe. E é também uma importante fonte de renda nesse mercado informal. Uma olhada rápida em volta do bairro é possível ver construções novas, ainda no tijolo seco ou projetos de ampliação, por todos os lados. Para a corrida principal, Karoline já havia vendido o lugar para 3 pessoas. Os valores individuais custam menos da metade de um ingresso oficial mais barato. Por 200 reais ao dia, o torcedor que não conseguiu as entradas para o GP pode acompanhar a prova no clima de Interlagos. "Aqui só alugamos a laje, que dá vista para a pista. Por um preço cobrado à parte a pessoa pode tomar café da manhã e almoçar na sacada. Aqui a gente coloca TV, tem sofá, tem tudo para o maior conforto", disse. Na corrida da economia informal, quem tem criatividade vai para o pódio.
Transmissão oficial da Fórmula 1 registra a animação do público no Setor R (Arquivo Pessoal)
FOTOS BLOCO DE CONTEÚDO:
Vila Porto - Reprodução/Redes Sociais. Williams Racing Grandstand - Arquivo Pessoal. Heineken Village - Reprodução/Redes Sociais
Lajes em Interlagos - Fabio Tito/G1 e Reprodução/TV Globo. Pista do autódromo de Interlagos - Acervo Pessoal. Fãs se aglomeram nas lojas oficias da Fórmula 1 - Emanuel Colombari/Band