Max Verstappen no GP do Japão em 2022 - XPB Images
Max Verstappen no GP do Japão em 2022 - Red Bull Photo
Equipe Ferrari protege carro durante a chuva - Getty Images
Max Verstappen no GP do Japão em 2022 - XPB Images
Max Verstappen no GP do Japão em 2022 - Red Bull Photo
Equipe Ferrari protege carro durante a chuva - Getty Images
Um fã de Fórmula 1 que não acompanha as etapas pelas redes sociais pode estar por fora de um movimento que cresce à medida em que produtos e serviços, especialmente pensados para um público cada vez mais novo, são lançados com pompa em investimentos milionários. A indústria que movimenta bilhões agora atinge novos patamares e se aproxima de jovens ao redor do mundo, levando o glamour das corridas para a realidade que segue no ritmo mais rápido dentro e fora das pistas.
Entre as tendências que viralizam e o gameplay de milhões de visualizações, está o fã que colabora para números e recordes que se enfileiram assim como os carros no grid. A representação mais fiel dessa nova Fórmula 1 está no holandês Max Verstappen, principal piloto da Red Bull Racing, um dos mais jovens campeões mundiais da categoria. Aos 24 anos, ele foi o primeiro piloto da nova geração a conquistar o topo da carreira, após um duelo memorável com o heptacampeão Lewis Hamilton. Do Grande Prêmio da Austrália em 2015 ao Grande Prêmio de Abu Dhabi em 2021, foram sete temporadas até a confirmação de seu primeiro título mundial. Já o segundo veio com quatro GPs de antecedência, em uma nada empolgante corrida no Japão, em 2022. Tão precoce quanto as mudanças de um novo tempo que surge dentro do automobilismo, está a necessidade em manter a atenção e a competitividade de uma categoria setentona. E é nessa velocidade máxima que embarcamos neste capítulo.
O dia começou cedo naquele domingo. Eram 5h15 quando o letreiro na tela anunciava: "Max Verstappen, 2022 World Champion". Para um fã de Fórmula 1, o tímido e nada empolgante aviso de que um novo bicampeão mundial havia surgido foi a síntese de uma temporada que muito se esperou e pouco se entregou. Mas essa história começa bem antes.
A expectativa de um possível adiamento do Grande Prêmio do Japão, no tradicional Circuito de Suzuka, colocava em doses homeopáticas o sentimento de apreensão e expectativa. Assistir as corridas ganhou um novo sentido desde a popularização das redes sociais. Esse movimento vem crescendo entre os jovens, observado principalmente nas últimas temporadas, com o acirramento de torcidas e a entrada da Geração Z no dia a dia das competições. Funciona como núcleos determinados, ou o que conhecemos como panelinhas. No Twitter, a chamada F1TT é quem dá o tom. São memes, análises, opiniões, dicas e até mesmo o que de melhor (ou pior) pode sair de alguém que extrapola suas paixões. Em pesquisa realizada pela Nielsen, a pedido da Motorsport, a rede social é a favorita para comentários em tempo real dos fãs. “Se eu ficar até quatro da manhã para não ter corrida eu viro o Coringa”, dizia uma postagem que logo ganha adesão dos madrugadores. "Vou ficar maluco também, estou com sensação de que não vai ter”, “eu vou bater lá em Suzuka para descer a porrada neles”, responderam outros em sequência. Tirando a literalidade e deixando somente a figura de linguagem, as expressões se justificam naquela ocasião. A tempestade que se aproximava colocava em risco qualquer estratégia pensada dentro dos boxes. Afinal, disputada em um horário ingrato, qualquer corrida sem o mínimo de emoção é um convite para cochilos e roncos – esses nada competitivos ao de motores potentes. Suzuka havia soltado um alerta de chuva horas antes das luzes se apagarem no grid de largada. Pelo sistema de meteorologia do Japão, as condições climáticas eram nada animadoras e se estenderiam por horas, ultrapassando os horários entre a largada e a bandeirada final.
Até o início oficial da décima oitava corrida do ano, um longo caminho já havia definido como seria o fim de semana. Horas antes, no Treino Livre 1 (TL1), a chuva castigava os movimentos na pista. Para se ter uma ideia, Max Verstappen, o líder da temporada, ficaria apenas em sexto lugar durante os treinos, sendo superado por pilotos que costumam largar nas últimas posições, como Kevin Magnussen e Mick Schumacher. Após o treino, Mick, piloto da Haas, bateu o carro em um muro após aquaplanar na pista escorregadia. A falta de uma drenagem eficiente do autódromo foi amenizada pela quantidade de chuva registrada, uma surpresa para os organizadores e para o público, que não deixou de lotar as arquibancadas ao longo dos mais de cinco quilômetros. Aquele era o primeiro GP do Japão desde 2019. As competições dos dois anos seguintes haviam sido canceladas devido aos riscos à saúde por conta da pandemia de Covid-19. Uma soma de fatores colocava ali a possibilidade de que Max seria consagrado bicampeão. A calculadora estava em mãos, bastava que o holandês voador não errasse em momentos cruciais e que seus adversários diretos não tivessem desempenho melhor em determinadas posições. Mas, se de um lado a batalha era pela ponta da fileira, do outro, o sono era quem fazia a curva. Outra chuva, a de memes, lotava a internet à medida em que a largada era adiada. Nas brincadeiras mais comuns entre quem resolveu esperar a largada estava a do famoso coelho Pernalonga com os olhos arregalados em situação de insônia.
A repercussão nas redes é explicada pelos fãs que acompanham cada movimento e interagem nas redes em perfis dedicados. Sejam eles ao esporte, a fan accounts – perfis de fãs que enaltecem determinados pilotos – ou nos perfis pessoais. Dentro dessa onda está o @blog_formula1, um dos mais engajados na cobertura sobre a categoria. Criado em 2021 e derivado de um blog homônimo, os comentários se dividem entre prints dos momentos da corrida, vídeos de pilotos, opiniões sobre as etapas e bolões com a adesão fiel dos leitores. Até o momento, meio milhão de visitas já foram contabilizadas nas páginas do blog, que também publica textos analíticos sobre os principais assuntos em alta, como a saúde mental dos pilotos e a comunidade LGBTQIA+ no automobilismo. Tomás, responsável pelo perfil, conta que a ideia surgiu da necessidade de explorar e traduzir a Fórmula 1 para um público novo, com linguagem acessível a temas mais complexos. "Muitos portais fazem a cobertura jornalística da Fórmula 1, mas quem é fã e não acompanha de perto todas as referências, pode ficar perdido entre as análises técnicas. Por isso a ideia de colocar em prática uma conversa entre pessoas comuns, falando sobre o que gostam e o que pensam sobre as corridas", disse. Os tuítes de Tomás, ou do "adm do blog", são acompanhados por 45 mil seguidores. O sucesso se reflete também na taxa de engajamento, com postagens ultrapassando 30 mil curtidas e milhares de comentários. Outro membro do grupo que faz barulho é o @EstagiarioDaF1. O perfil, que conta com mais de 140 mil seguidores somente no Twitter, é trabalho de produtor de conteúdo do Grupo Bandeirantes. e nasceu como forma de escapar dos haters. "Quando você expõe que é da imprensa, você fica mais vulnerável para ataques do pessoal. Na época eu era estagiário de F1 no GloboEsporte.com e criando um perfil mais de humor a galera ameniza. Deu tão certo que o personagem fez parte da cobertura", contou em transmissão ao vivo com amigos. Esses fanáticos por automobilismo são a ponta visível de um novo ambiente que chama atenção de marcas parceiras e até da própria Fórmula 1. Para o GP de São Paulo em 2022, os dois firmaram parcerias estratégicas que vão de bônus em sites de apostas, brindes, visitas à exposição que conta a história dos 50 anos de GP no Brasil até entradas para acompanhar a etapa brasileira direto de Interlagos.
Não é por menos, passava das duas da manhã quando as luzes se apagaram e os roncos dos motores finalmente aqueciam a molhada etapa japonesa. O público fiel volta ao tema principal da noite: será ou não a corrida do bicampeonato? Logo nas primeiras curvas, a ansiedade dá lugar às críticas sobre os riscos que um GP chuvoso provoca. Carlos Sainz, da Scuderia Ferrari, se chocou contra a mureta de proteção e abandonou a prova. Alexander Albon, da Williams Racing também abandonou. Já o francês Pierre Gasly, da Scuderia AlphaTauri, ficou com uma placa de publicidade presa na asa dianteira do carro. Em um dos momentos mais emblemáticos, o piloto reclama da presença de tratores, que auxiliam na manutenção das áreas de escape. "O que é isso? O que é esse trator na pista? Eu passei do lado dele. Isso é inaceitável. Lembrem-se do que aconteceu. Não consigo acreditar nisso". Gasly se referia ao acidente que tirou a vida de Jules Bianchi, em 2014. No mesmo circuito. O piloto de apenas 25 anos se chocou com um trator que fazia trabalhos na pista, nas mesmas condições climáticas da corrida em 2022. Em casos assim, a visibilidade e a velocidade – mesmo que moderada – podem ser uma soma fatal, como aconteceu com Bianchi. O pai do piloto criticou a organização da prova e pediu respeito à vida dos pilotos e à memória do filho.
A rapidez que a reclamação de Gasly repercutiu é reflexo do trabalho dos fãs que acompanham cada piloto por câmeras exclusivas dentro da F1TV Pro, streaming criado para a cobertura e transmissão ao vivo das etapas, além de conteúdos on demand. A transmissão oficial pela televisão não mostrou o francês mencionando o trator. O momento só foi recuperado pelas lentes das câmeras que acompanham cada piloto no cockpit. O vídeo capturado viraliza e em minutos entra nos assuntos mais comentados. O sentimento de incredulidade toma conta à medida em que matérias sobre o acidente de Bianchi são compartilhadas. Em tempos de consumo rápido de informação, a lembrança racional e humana, para que novos acidentes do tipo não se repitam é uníssona e ganha respaldo de quem está na linha de frente. O coro das críticas é amplificado pelo britânico Lando Norris, da McLaren e do mexicano Sérgio Perez, da RedBull Racing. Antes do fim da primeira volta, o Safety Car é acionado e a bandeira amarela pede atenção. A sequência de incidentes e as condições da pista confirmam o inevitável. Logo na volta 2, a bandeira vermelha indica nova paralização total da etapa.
Cerca de duas horas depois da largada e da interrupção forçada, Suzuka volta a aquecer os motores. Em uma nova tentativa de concluir a prova, os carros mais rápidos do mundo duelam por cada segundo à frente. Soberano em praticamente todo o tempo, Max Verstappen precisou apenas de 28 voltas para cruzar a linha de chegada e fazer parte da história. Nem mesmo o seu principal rival na temporada, Charles Leclerc, da Scuderia Ferrari, conseguiu alcançá-lo, mas uma confusão na somatória de pontos tirou o brilho de uma jornada incontestável ao longo do ano. A confirmação do título veio, algum tempo depois, de forma tímida em uma comemoração casual nos boxes. Na terra da chuva torrencial, o holandês duelou pelas voltas mais rápidas durante a corrida e fez dobradinha de equipe com o companheiro Sergio Pérez. Foram 12 vitórias em 18 GPs disputados, em aproveitamento que chegou a cerca de 75%. Verstappen é apenas o quarto piloto da Fórmula 1 com título garantido com quatro etapas de antecedência. Além dele, somente Michael Schumacher, Nigel Mansell e Sebastian Vettel conseguiram levantar a taça antes do término da temporada. Incontestável, o holandês é um dos maiores pilotos do automobilismo mundial nos tempos atuais e o futuro promete ainda mais disputas. Com menos anticlímax do que a etapa japonesa e com mais emoção, tendo em vista uma geração que é furiosa por disputas e desafios.
O anúncio do bicampeonato de Max Verstappen na transmissão do GP do Japão (Reprodução/F1)
Max Verstappen e Martin Garrix - Reprodução/Redes Sociais
Charles Leclerc em estação de ski - Reprodução/Redes Sociais
Lando Norris em selfie com fãs da McLaren - Reprodução/Redes Sociais
Max Verstappen nasceu na Bélgica, mas é cidadão holandês, bandeira que escolheu defender na Fórmula 1. No sangue das veias corre o óleo de motor que é tradição na família. Ele é filho de ex-pilotos. Seu pai, Jos Verstappen, disputou oito temporadas de Fórmula 1 entre os anos 90 e 2000. Já a mãe, Sophie, fez carreira em corridas de kart na Bélgica e na Holanda. O jovem campeão tem mesmo o destino ligado a tudo que envolve o mundo do automobilismo. Ele namora a influenciadora Kelly Piquet há quase três anos. E o nome já diz por si. A filha do ex-piloto brasileiro e tricampeão mundial Nelson Piquet acompanha o holandês em todas as etapas ao redor do mundo. Antes do abraço na equipe técnica depois de mais uma vitória, Max vai ao encontro de Kelly em uma espécie de ritual no caminho ao pódio. Com um público de 10 milhões de seguidores, Max Verstappen é o queridinho da nova geração. Segundo a pesquisa Nielsen/Motorsport, o holandês é o favorito da torcida, sendo citado por 14% dos mais de 167 mil entrevistados globalmente. A lista conta também com o Lando Norris em segundo lugar e seu conterrâneo Lewis Hamilton, da AMG-Mercedes em terceiro. Acompanhar Max nas redes sociais é embarcar em uma rotina de viagens, passeios, jantares, treinos e declarações de amor à namorada. Entre seus amigos mais populares está Martin Garrix, um dos maiores DJs e produtores de música eletrônica do mundo, que contabiliza mais de cinco bilhões de visualizações somente em seu canal no YouTube. É comum ver Garrix parabenizar o amigo em fotos postadas nas redes sociais, uma amizade que se iniciou entre um treino e outro. O sucesso do piloto provocou até mudanças estruturais da forma como o torcedor o acompanha nas corridas. É comum nas etapas pelo mundo ver torcedores desfilarem com os uniformes da equipe do bicampeão ou das tradicionais camisetas com o número 33 nas costas, formando o conhecido "exército laranja". Mas na Áustria, casa da Red Bull, arquibancadas para fãs de Verstappen foram criadas pela organização da corrida devido à alta demanda de ingressos vendidos para acompanhar a ascensão do piloto.
Essa é a primeira geração de pilotos totalmente conectada às plataformas do mundo digital. A proximidade com os ídolos explica o sucesso fora da pista. A popularidade dele está intrinsecamente ligada a uma geração que começou a acompanhar Fórmula 1 sem antes ter assistido uma única corrida. São nos games para consoles ou em séries populares como a Drive to Survive, da Netflix, a porta de entrada dos jovens para um mundo novo no automobilismo. O vasto material disponibilizado em mídias sociais por pilotos e equipes contribuíram para a popularização da Fórmula 1 entre os mais jovens, aproximando o público da categoria, tornando-a acessível para diferentes faixas etárias. O jornalista Victor Martins, do site Grande Prêmio da ESPN, analisa a influência da série e as condições dentro da pista para esse novo público. "O efeito ‘Drive to Survive’ é inegável nesta mudança considerável de público. E isso se inicia em um ponto anterior, que é a saída de Bernie Ecclestone do comando da categoria e da chegada do Liberty Media. Se Ecclestone ainda tivesse voz ativa, não existiria uma série filmando os bastidores da Fórmula 1. O pessoal que não tinha interesse passou a acompanhar. E, claro, a temporada 2021 é imprescindível para captar o fã antigo e o fã novo. A briga entre Lewis Hamilton e Max Verstappen é o que mais se deseja para 2023, e mostra como fez falta na temporada 2022", .
Outro com muito talento e pouca idade também faz sucesso nas redes sociais. O monegasco Charles Leclerc, da Scuderia Ferrari, despontava como um dos favoritos ao título no início da temporada de 2022 no auge de seus 25 anos. Ele começou a sua carreira profissional em 2016 competindo em categorias como a GP3 e a Fórmula 2, a principal porta de entrada para a elite do automobilismo. Em 2018, como piloto da Alfa Romeo Sauber, levou a equipe a pontuar no ranking de construtores depois de várias temporadas. A ascensão de Leclerc fez o jovem garantir uma vaga na tradicional equipe italiana e arrebatar fãs ao redor do mundo. Leclerc soma milhões de acessos em vídeos postados nas redes sociais. Somente no YouTube, quando o piloto publicou uma espécie de vlog sobre a sua rotina nas férias da F1, ele bateu a casa dos 5 milhões. No TikTok, junto com seu parceiro de equipe, o espanhol Carlos Sainz, é comum ver suas postagens entre as mais curtidas da plataforma. A força do piloto na corrida pelo like é medida por suas participações nas chamadas trends, ou desafios e assuntos virais que surgem de uma hora para a outra e faz a cabeça de todo mundo nas redes sociais. Em outubro, uma das mais conhecidas era a Running Man, que basicamente consistia em uma pessoa segurar a outra pela cintura, suspendê-la no ar e ela repetir movimentos de corrida, iniciando lentamente até aumentar o ritmo, ao som da trilha Can Can, uma versão em orquestra da famosa trilha composta pelo violoncelista alemão Jacques Offenbach. Leclerc e Sainz repetiram o movimento em uma postagem que ganhou mais de 8 milhões de visualizações, com um milhão de curtidas, 30 mil compartilhamentos e mais de 10 mil comentários em pouco mais de uma semana. Recentemente, um vídeo de Leclerc viralizou com o piloto sendo “usado” para uma postagem no aplicativo BeReal. Nele, as pessoas têm dois minutos para publicar o que estão fazendo em determinados horários do dia, usando as câmeras frontal e traseira do celular. Em Maranello, pequena cidade italiana na região da Emília-Romanha, sede da Ferrari, o próprio piloto registrou o momento publicando uma foto dele com o aparelho de um fã. Essa proximidade com o público é vista como uma potente humanização de ídolos, tornando acessível um esporte até então elitizado e para um público mais velho.
Entre a selfie surpresa, que certamente fez a felicidade de toda uma família no GP da Hungria de 2022 até o cartaz em formato de coração, autografado em cima de um carro no estacionamento para uma empolgada garotinha nos ombros do pai, Lando Norris deve ter feito uma piada sem graça com amigos ou riu de si mesmo em algum meme que tenha protagonizado nas redes sociais. O britânico é um dos mais jovens pilotos da atual formação de pilotos titulares da Fórmula 1 e também a representação fiel da vida cotidiana de um jovem que está realizando sonhos, mas sem deixar de vivenciar os dramas e conflitos de sua idade. Já em seu segundo ano de F1, ele revelou sua luta contra transtornos de estresse e ansiedade dentro das competições. Pela pouca idade, a busca por resultados perfeitos pode trazer riscos à saúde mental. "Me senti deprimido muitas vezes porque se eu tenho um fim de semana ruim, eu acho que não sou bom o suficiente e coisas assim. Com tudo isso se acumulando ao longo da temporada e a pressão nas redes sociais isso realmente pode te machucar", revelou em entrevista. O desgaste de um piloto pode não ser apenas o físico e a cobrança por resultados tem afetado não somente os mais jovens. Assim como Norris, Lewis Hamilton e Sebastian Vettel também relataram ter que lidar com a saúde mental após a pressão por rendimento nas pistas. Uma das válvulas de escape do jovem britânico também envolve competição, mas de uma forma mais leve. Ele é dono da Quadrant, uma marca de conteúdo e estilo de vida que reúne uma equipe especializada, entre outros, em jogos populares como Halo e Warzone. Em março de 2020, no início da pandemia, Norris arrecadou em uma livestream na plataforma Twitch fundos para ajudar organizações de saúde no combate à Covid-19. Foram quase de US$ 3 milhões de dólares, festejados por ele e por fãs que o acompanharam durante horas ao vivo.
Claudio Sousa no GP de São Paulo em 2022 - Reprodução/Redes Sociais
Público na pista de Interlagos em 2022 - Arquivo pessoal
Público passeia na reta oposta de Interlagos em 2022 - Arquivo pessoal
Na mochila, só cabe o sonho. No coração, só tem espaço para a emoção sem precedentes: assistir pela primeira vez um GP de Fórmula 1 praticamente no quintal de casa. O paulistano Claudio Sousa é jornalista por formação, analista de sistemas por vocação e um mercedista de paixão. O nome já diz, as flechas prateadas nunca foram tão desejadas. "Antigamente eu não ligava muito em ser torcedor fanático por uma escuderia ou por um piloto específico. Mas, atualmente, devido à história e a luta pelos direitos sociais e tudo que envolve o mundo, hoje eu sou um fã mesmo do Lewis Hamilton e invariavelmente comecei a torcer pela Mercedes", revela. O britânico, que ganhou título de cidadão honorário na Câmara dos Deputados dias antes de voltar à pista de Interlagos, é o piloto mais popular do país nos últimos tempos. A humildade, os gestos e os exemplos de Hamilton são comparados a de um outro ídolo, Ayrton Senna. O heptacampeão mundial de pilotos é fã declarado do brasileiro e a paixão da torcida em muito lembra a era de ouro de Senna no cockpit. A simpatia é tanta que quem está ao lado de Hamilton ganha um tratamento especial. Nas arquibancadas de Interlagos, a torcida pela vitória do seu companheiro de equipe era quase unânime. "Depois da corrida em Interlagos, eu comecei a pegar um carinho pelo George Russell. Por tudo que ele fez no fim de semana, por toda a batalha que ele teve para conquistar a primeira vitória na carreira. E pela superação que passou no início de tudo", contou.
Pisar pela primeira vez em um templo do automobilismo foi o caminho mais longo que Claudio percorreu até aqui. Acostumado a assistir as corridas pela televisão, o que parecia distante se tornou realidade apenas em 2022. Os carros voadores, que logo deixariam as telas para ganharem vida no asfalto diante de seus olhos, são uma espécie de realização que se transforma em lágrimas que saltam como se nada mais importasse. A ansiedade de uma vida é distribuída em três longos dias em Interlagos. A multidão invadindo a pista é o abraço no momento ideal quando se está no topo do mundo.
"Na infância, eu caminhava nos arredores do autódromo com os meus parentes, meu pai e meus primos e sempre observava o pessoal nos dias de treino, dias de corrida. Mas acompanhar in loco, assistir mais de 70 voltas, ficar horas debaixo de sol, ficar naquela dúvida se vai chover ou não foi inesquecível e com certeza é uma experiência que eu recomendo para qualquer um que não teve essa oportunidade e quer acompanhar um esporte tão emocionante, que prende a atenção. É uma experiência única que eu vou levar para a vida toda", diz.
Da geração anos 90, as referências são inúmeras. As lembranças também. Uma paixão que passa de pai para filho e se renova a cada ronco de motor. "Eu comecei a acompanhar a Fórmula 1 no começo dos anos 2000, muito pela influência do meu pai. Ele sempre acompanhou desde a época do Nelson Piquet, Ayrton Senna e sempre contava as histórias de como a família se reunia aos domingos de manhã – às vezes de madrugada – para acompanhar o Senna e torcer por ele. Eu lembro muito bem que todo domingo de manhã ele ligava a TV para assistir as corridas, na época em que o Michael Schumacher estourou na Ferrari, começou a ganhar as corridas, os títulos. E a partir daí comecei a acompanhar com ele, na curiosidade de ver os carros. Eu achava muito bonito, diferente os modelos, as pinturas da época", relembra. Era a época dos carros com design e pintura marcantes. Modelos em amarelo, azul, verde, do clássico vermelho e branco. Todo fim de semana, a pista era a passarela para um verdadeiro desfile em alto padrão.
Claudio é a representação da geração que voltou a consumir notícias da Fórmula 1 agora pelas redes sociais, em um movimento detectado pela Global Fans Survey 2021 encomendada pela Motorsport/Nielsen. Cerca de 40% desse público utiliza o Twitter para comentários em tempo real, acompanhando equipes e pilotos – além da tradicional cornetada em cada etapa. Outros 37% consomem o conteúdo da categoria através do Instagram, nos perfis oficiais e em contas criadas especialmente para seguir o passo a passo de engenheiros e técnicos mundo afora. Na pauta, desde a mudança do exaustor direito ou da milimetricamente calculada aerodinâmica da asa esquerda à roupa, tênis, óculos de sol que as estrelas do grid usam. A notícia, na rolagem de um toque, vira artilharia para comentários dos mais variados. O público que chega pela primeira vez é importante, mas o que volta tem um interesse ainda mais especial. "Com as mudanças de regulamento, a forma como a competição recebeu tratamento nos últimos anos, me despertou novamente em acompanhar, despertar mais cedo aos fins de semana para ver as corridas, assistir os treinos, as etapas. Voltou essa 'quase paixão' pela modalidade, foi um período de interesse, falta de interesse e retomada pela competição, pela intensidade com que o campeonato tem se desenrolado recentemente", conta.
A F1 no streaming, nos games e no cinema: mercado aquecido e público cativo (Arte/Divulgação)
Ingresso do GP de São Paulo de 2022 - Arquivo pessoal
Em época de Verstappen e Leclerc, o "fã modinha" não se cria com um "fã raiz". "Eu não tive a oportunidade de ver o Senna. Mas o primeiro que eu passei a acompanhar de verdade e torcer foi o Rubens Barrichello. Pelas diversas batalhas na época da Ferrari, aquela disputa com o Schumacher, de ser somente o piloto reserva, sempre só o vice-campeão e toda aquela brincadeira maldosa dele ser um piloto lerdo, de não conquistar um título mundial. Independente disso, sempre gostei do jeito dele de pilotar, da competitividade dele e, ouso dizer, que no pós-Senna, foi o melhor piloto brasileiro que a Fórmula 1 já teve. Sem desmerecer os outros que vieram depois, o próprio Felipe Massa, que foi um piloto de qualidade, mas o Rubinho teve uma competitividade muito alta. Para mim ele quase igualou em nível de competição e em nível de qualidade no volante com o Schumacher e tantos outros da mesma época", defende.
O distanciamento da categoria, que gradualmente vem se revertendo pelo ambiente criado em torno da competição – com produtos, serviços e pilotos populares virando estrelas do showbiz – é foco de uma discussão complexa em torno do futuro da Fórmula 1. Sem pilotos no grid desde 2017, está cada vez mais caro acompanhar as etapas brasileiras e uma solução para a sociabilização com mais paridade entre o público não vê a reta de chegada. "Infelizmente a Fórmula 1 ainda é destinada, no Brasil, para um público elitizado. Ainda é pouco acessível para a grande parcela da sociedade, principalmente classes mais baixas, que não possuem condições para ingressos nos setores mais baratos, ou acessíveis, que mesmo assim são caros. Acho que ainda vai levar um bom tempo para que a Fórmula 1 se torne um produto acessível para a grande maioria dos brasileiros", analisa Claudio. Que o tempo passe na velocidade de uma curtida, mas que a memória se eternize na lembrança de um dia inesquecível em solo sagrado.
FOTOS BLOCO DE CONTEÚDO:
Câmera da Fórmula 1 - Motorsport Images. Fernando Alonso no GP da França - Bryn Lennon/Getty Images. Carros de Fórmula 1 - Red Bull Content Pool. Lando Norris durante transmissão na plataforma Twitch - Reprodução/Redes Sociais.